Capítulo 9 - Consolo
Daniel,
regressou a Lisboa sem saber qual o passo seguinte. Tencionava abordar a sua
Rapunzel mas não tinha a certeza se isso seria o melhor a fazer. Embora a
situação lhe parecesse estranha, Rapunzel não parecia estar ali contra a sua
vontade. Mesmo se estivesse presa, o que a impedia de arrombar a porta? O que a
impedia de ir à janela e gritar por socorro? Por mais macabra que a situação
lhe parecesse, tinha quase a certeza que Rapunzel estava de acordo com a mesma.
A
natureza humana sempre foi algo que o surpreendeu. Nunca conseguiu entender o
ser humano e estupidez que o caracterizava. A seu ver, as pessoas todas não
passavam de umas hipócritas, umas fracas. Precisavam de religião para defender
as suas convicções entretanto as suas ações eram sempre contrárias às tais
convicções. Consideravam-se livres, mas viviam presos às regras da sociedade.
Humilhavam os outros para esconder a vergonha que sentiam das suas próprias
fraquezas e afastar os holofotes das suas misérias. “Melhor os outros do que eu”,
essa era o lema dos supostos defensores dos direitos e da igualdade humana.
Hipócritas!
Hipócritas,
sim. Tal como ele. Tal como ele que das nove as cinco pertencia a um grupo de
trabalhadores para poder sustentar o vicio de viver em sociedade. Tal como ele
que se via forçado, a fazer pequenas conversas e piadas ridículas com os
colegas para fingir pertencer ao padrão “normal”. Hipócritas, tal como ele que
se via obrigado a “existir”, a fazer-se visível, no sistema de fazia parte
apenas para se manter invisível. Hipócritas, tal com a Rapunzel, que por algum
motivo humilhava-se e arriscava a própria vida em troca de...
Quanto
mais se debruçava sobre a questão mais tinha a certeza que esta existência era
obrigatória. Algo a fazia ficar e aceitar esta condição. E quanto mais pensava
na Rapunzel maior era a necessidade de a abordar, de estar com ela. Precisava
de respostas, mas tinha de ter a certeza que era seguro. Continuou o registo
diário. Apercebeu-se do padrão das ausências e presenças de Pedro. Finalmente,
sabia que tinha uma janela de duas semanas até que ele voltasse a aparecer. E
iria agir... Tinha chegado a hora.
Por
algum motivo, estava nervoso. Tomou banho e perfumou-se. Vestiu umas calças de
ganga pretas, que já não usava há séculos, e até engomou a t-shirt favorita, preta
e com o símbolo dos gun and roses. Estava pronto. Desceu as escadas do prédio,
de dois em dois degraus e atravessou a rua com uma determinação que se foi
dissipando à medida que se aproximava do prédio da Rapunzel. Não desistiu.
Tocou em várias campainhas até que a uma vizinha abrisse a porta. Não quis tocar
no andar da Rapunzel, não a quis alertar. Entrou no elevador e as pernas
perdiam à força à medida que os números no elevador iam iluminando. Primeiro
andar, segundo andar, terceiro andar... Parou no quarto e respirou fundo.
Ajeitou a t-shirt e tocou à campainha do quarto esquerdo.
Não
ouviu ruído nenhum no interior e voltou a insistir. Ouviu passos. Susteve a
respiração...
-
Não quero comprar nada. – Maria, falou sem abrir a porta. Daniel, admirou a voz
doce. Tal como tinha imaginado.
-
Minha senhora, não estou aqui para vender nada.
-
Vá-se embora, por favor. Não preciso de nada.
-
Eu preciso falar consigo, minha senhora. É urgente.
-
Vá-se embora. Já disse.
-
Eu não saio daqui enquanto não me abrir a porta.
-
Vá-se embora, por favor.
-
Ouça, eu não me vou embora sem falar pessoalmente consigo. E se não me abrir a
porta começo a dar pontapés na mesma até que a abra. – Não quis ser agressivo,
mas tinha a certeza que Rapunzel não queria criar uma cena. – Abra, por favor.
Só quero falar consigo.
-
Eu não sei quem é o senhor, mas peço que se vá embora.
-
O sr Pedro, só volta daqui a duas semanas. Não há perigo, por favor, abra a
porta.
Fez-se
silêncio. Ouviu a respiração ofegante do outro lado da porta. Fez-se silêncio. Maria,
lentamente, abriu a porta. Não podia causar nenhum escândalo, Pedro já a tinha
avisado para não fazer nada que chamasse a atenção dos vizinhos.
Espreitou,
com a porta entreaberta, e olhou assustada para o estranho que estava à sua
frente. Abriu a porta e deixou-o entrar. Fechou a porta imediatamente atrás de
si. Daniel, entrou e ficou parado a olhar para ela. Instintivamente, Rapunzel,
cobriu-se com os braços como se tentasse proteger.
-
Não tenha medo. Eu só quero falar consigo. Só preciso falar consigo. – Olhou-a
e sorriu ternamente. Era, decididamente, a mulher mais bonita que já tinha
visto. Simplesmente, linda. A sua pele, cor de avelã, os cabelos cacheados, os
lábios carnudos, o corpo de viola... Simplesmente, linda! – Só preciso
entender. Eu... Eu moro no prédio em frente. Eu... Eu tenho visto o que se
passa. Preciso de entender...
-
Como assim? Visto? Não entendo... – afastou-se dele. – Por favor, vá-se embora.
-
Eu... Observei, algumas vezes... – Não sabia como continuar. Não sabia como
dizer que a observava sem que soasse mal. – Olhe, eu sei do sr. Pedro. Eu não
consegui deixar de reparar que ele bate em si. Preciso saber se precisa de
ajuda.
Maria,
arregalou os olhos e olhou para a janela. Várias vezes tinha sentido que alguém
a observava. Olhou para ele incrédula e os olhos encheram-se de lágrimas.
Daniel, aproximou-se e abraçou-a. Em vez de o rejeitar, Maria abraçou-se a ele
e permitiu-se chorar desalmadamente. Como tantas vezes ele havia visto, mas
desta vez... Ele estava lá para a consolar.
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