Capítulo 41 - Funeral
O serviço fúnebre de Eva
Amaro mais parecia uma feira. Vários jornalistas, vários curiosos e apenas alguns
familiares amontoavam-se na igreja de onde iria sair o serviço fúnebre. Vários policiais
armados cercavam o perímetro caso Diogo decidisse aparecer. Continuavam sem
saber o paradeiro do futebolista.
Deborah,
agarrou-se à tia. Dona São, soluçava descontroladamente junto a uma prima
distante. Era a primeira vez que Deborah assistia a um funeral e tudo parecia surreal.
Perguntava-se quem eram aquelas pessoas que nunca tinha visto frequentar a sua
casa e hoje diziam-se familiares a amigos próximos. A dor que sentia por perder
a mãe estava ofuscada pela raiva ao observar o circo que se tinha montado.
Achava ridículo, falsas demonstrações de amor, dor e saudade.
Perguntavam-lhe
se estava bem, como estava o bebé e ela irritada respondia que o funeral era da
mãe e que o resto não interessava naquele momento. Quis esconder-se num buraco.
A dor que sentia era interna, era só dela e não precisava de chorar para o
mundo inteiro ter confirmação que sentia falta da mãe. Queriam espétaculo,
pensou para si. Os pescoços viravam cada vez que chegava alguém, na esperança
que Diogo tivesse a coragem de entrar no recinto.
O padre terminou
a cerimónia e algumas pessoas foram chamadas a falar sobre a falecida.
Falecida! A mãe deixara de ter nome, agora era falecida. De um momento para o
outro Eva perdeu a identidade. Era apenas mais uma falecida no meio de tantas
outras falecidas. A avó, recusou-se a falar. Ninguém se aproximou do altar. A
mãe não tinha amigas, nunca teve. As colegas do trabalho eram apenas isso,
colegas. Diogo nunca quis que Eva trabalhasse mas ela recusou-se a deixar o
escritório de advogados em que trabalhava quando se conheceram. Embora fosse
trabalhar todos os dias, nunca tinha trazido uma colega a casa. Os seus únicos
amigos eram a mãe e o marido, dizia sempre. Ao menos, morreu sem saber o marido
que tinha.
Deborah, pensou
várias vezes na morte da mãe. Inicialmente, culpou Deus por tudo. Com o passar
do tempo, Deborah começou a acreditar que se Deus existia, ele conhecia a mãe
melhor que ninguém e nunca iria permitir que ela soubesse o que Diogo fazia.
Eva, nunca iria aguentar a monstruosidade dos atos de quem ela apelidou de
melhor homem do mundo. Teria ficado quebrada para sempre. Deus, se a levou, fez
o melhor a fazer. Poupou-a de muita desilusão e sofrimento. Deborah, concluiu
que era melhor assim. Tinha sido melhor assim.
Quando, Deborah,
pensou que a tortura da cerimónia fúnebre estava prestes a terminar um homem
alto, que nunca tinha visto, aproximou-se lentamente do altar. Deborah, não o
reconheceu, nunca o tinha visto antes. Pensou que se tratava do patrão da mãe
até que ele começou a falar...
- Quando conheci
a Eva, há sensivelmente 13 anos atrás, ela era uma jovem alegre e cheia de sonhos.
Sonhava com um mundo melhor e acreditava que um dia encontraria o seu príncipe
que lhe iria levar para um castelo isolado, longe das injustiças e crueldades
do mundo. Eu, era apenas um miúdo e deixei-me levar pela alegria da Eva.
Facilmente apaixonei-me por ela... Sonhávamos com um amor e uma cabana até
que... Até que a Eva engravidou e eu, como qualquer miúdo estúpido
acobardei-me. O amor e uma cabana passaram de um sonho a um pesadelo e eu fugi.
Não consegui imaginar-me com uma bebé nos braços... Tinha planos de ir para a
faculdade, terminar o curso, viajar pelo mundo. Não fui capaz de agir como um
homem... Acobardei-me e arrependo-me até hoje. Sei que quebrei a alma da Eva.
Roubei-lhe parte da alma... Nunca me perdoarei por isso... Deixei-a e à minha
filha. Arrependi-me várias vezes e até pensei em voltar. Pedir perdão mas, com
o passar do tempo, tornou-se cada vez mais difícil. Qual a minha desculpa por
estar ausente tanto tempo? Como a pude deixar com a bebé nos braços e nunca
mais voltar? Quando soube que ela se ia casar e que encontrou o Diogo
sosseguei. Pensei que ela estaria a salvo. Tinha encontrado um homem que lhe
faria voltar a acreditar na tal cabana. Pensei que a minha filha tinha
encontrado um homem que seria melhor pai do que eu, pelo menos, não era um
cobarde. Um homem que iria assumir a minha filha como dele. Fiquei sem cara
para voltar. Continuei a minha vida, como se a Eva e a Deborah não tivessem
passado de um sonho... E hoje, estou aqui, perante vós, pedindo perdão a Eva...
Ela foi-se sem me dar a oportunidade de lhe pedir perdão. Se realmente existe
vida depois da morte, espero que a Eva encontre a cabana com que sempre
sonhou... Hoje, não sou mais um miúdo, sou um homem que irá carregar para
sempre uma enorme ferida no peito. Sinto que sou responsável por tudo o que
aconteceu à Eva, por tudo o que aconteceu à minha filha... – Limpou as lágrimas
com as costas da mão. – E por isso, Eva, se me estás a ouvir, perdoa-me. E uma
coisa eu te prometo, não posso recuperar o tempo perdido com a nossa filha, nem
retirar tudo pelo que ela passou, mas vou tomar conta dela para o resto da
minha vida. É o mínimo que me resta...
O homem, saiu do
altar, e dirigiu-se a Neuza. Abraçou a irmã e em seguida a mãe. Em seguida,
agachou-se perante Deborah e pediu-lhe perdão.
- Perdoa-me,
minha filha.
Deborah,
sentido-se encurralada, olhou para ele e não conteve as lágrimas. Chorava de
raiva. Como podia ele, o pai biológico, aparecer ali do nada e tentar
aproveitar-se da fraqueza dela para se aproximar? Ali, em frente a todos... No
funeral da própria mãe.
- Nunca. Não sei
quem és, nem quero saber. – ganhou coragem para o dizer em voz alta.
Deborah, virou-se
e começou a correr... Nelson, ficou de joelhos no chão a chamar pela filha. Neuza,
correu atrás da sobrinha e alcançou-a antes mesmo de ela chegar à porta da igreja.
Abraçou-a. Dona São, apertou o peito e pediu por clemência. Formou-se uma
algazarra com os jornalistas a tentarem aproximar-se de Nelson. O padre, pediu
silêncio e ordem para que pudesse terminar o serviço. Eva, foi enterrada num
misto de confusão. Diogo, ao longe, de cabeça baixa, sentiu-se culpado. O seu
egoísmo e medo de assumir quem realmente era destruíram por completo aquela
família. O único pecado que Eva cometeu foi ter acreditado nele e apaixonado-se
por ele. Não merecia isto. No mínimo, merecia ser enterrada em paz. Decidido, atravessou
a estrada e caminhou em direção aos polícias. Estava na hora de acabar com
aquele circo.
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