Capítulo 1 - Deborah
A água avermelhada escorria
pelo ralo abaixo. Deborah, esfregava a pele avidamente como se a quisesse
arrancar. Agarrou no chuveiro e direccionou-o diretamente para a boca. Cuspiu
várias vezes na tentativa de retirar o sabor amargo que a enjoava. Aumentou a
pressão do chuveiro e agrediu violentamente a vagina. Aumentou a temperatura ao
ponto de gritar e até não aguentar mais o escaldão. Agachou-se, na banheira, deixou
a água correr e, derrotada, permaneceu ali até perder a noção do tempo...
A mãe, alegre, contava o seu
dia-a-dia enquanto preparava a mesa para o jantar.
- A Antónia
quase que perdia o emprego, hoje. Eu já
lhe tinha avisado que aceder ao facebook no trabalho só dá problemas.
- Pois... -
Respondeu , Deborah, roboticamente.
- O problema é
que ela está toda encantada com um tal de Marcus que apenas conheceu no Face.
Vê lá tu que disse que estava a pensar ir passar o Natal na Lituânia com o fulano.
Louca, isso é que ela é. Louca!
- Uhm... Uhm...
- O melhor é ela
arranjar um homem de carne e osso. Um homem às direitas como o meu Diogo. Andar
por aí a procurar homens na internet. Este mundo está perdido.
Deborah engoliu em seco e
estagnou. Não sabia se havia de contar à mãe. Nem como havia de contar.
Duvidava que a mãe fosse acreditar nela. O melhor seria ficar calada. Por
melhores intenções que a mãe tivesse, estava claramente presa no mundo dela. As
suas preocupações eram a vida dos outros e raramente conseguia perceber o que
se passava na sua própria vida.
O telefone tocou e Eva correu
para atender.
- Não vens
jantar? Que pena fiz o teu prato favorito. Está bem, eu guardo um prato no
microondas. Vais chegar muito tarde? Espero por ti? Não? Está bem. Ok. Amo-te.
- desligou e voltou para a mesa. - O Diogo não vem jantar, Deborah.
- Muito
trabalho? - respondeu num tom quase sarcástico.
A mãe perdeu a alegria e
jantaram em silêncio. Deborah já sabia que Diogo não vinha a casa jantar. Ele
nunca tinha coragem de se sentar à mesa depois de... No dia seguinte iria
aparecer com um presente para a mãe, com um sorriso estúpido nos lábios, como
se nada tivesse acontecido. E a tonta iria dizer que não existe homem como o
dela, que lhe dá presentes mesmo quando não é o aniversário dela. Otária,
pensou. Se ela tivesse noção que cada presente que recebia representava a
desgraça e a miséria da própria filha...
Já deitada no quarto decidiu
ligar para Sheila.
- Já estavas a
dormir?
- Népias...
Estava aqui no whatsapp a falar com o Joseph. Só na palhaçada, claro.
- Tu gostas...
Estás sempre a provocar o rapaz.
- Pois... Ele
diz que eu sou o máximo e eu vou mandá-lo passear?
- Não queres
nada com ele. Não o empates.
- E deixo de ser
a musa inspiradora de alguém?
Riram-se e continuaram a
conversa corriqueira. Ao menos com a Sheila, Deborah conseguia abstrair-se dos
seus problemas. Do seu mundo completamente fodido. Já tinha pensado em contar à
amiga, mas tinha vergonha. Há coisas que depois de ditas não podem ser
retiradas...
Ouviu a porta de casa abrir e
fechar. Abraçou a almofada e escondeu-se debaixo da manta. A mãe estava em casa
e Deborah duvidava que ele fosse tentar alguma coisa, mas nunca se sabe.
Ultimamente os abusos eram mais frequentes e nem com a mãe por perto ela
sentia-se segura. Há muito tempo, Diogo convencera a mãe a retirar a fechadura
do quarto. Não havia necessidade de trancas num lar onde não havia segredos
entre familia. Além do mais, eram todos civilizados, respeitavam a privacidade
uns dos outros e batiam a porta antes de entrar.

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