Capítulo 2 - Maria
Maria tinha
adormecido, sentada à janela com um livro poisado entre as pernas. Leu o livro
“Sinto-te”, da Ana Silvestre, de rajada e adormeceu exausta. A escritora tinha
esta tendência de mexer com as suas emoções e, de uma forma ou outra, acabava
sempre por sentir que fazia parte da história e que as vivências descritas eram
as suas. Na verdade, Maria lia muito, de forma a fugir da sua própria
realidade.
Acordou, sobressaltada,
com o bater ruidoso da porta. Ouviu o Pedro a gritar por ela. Conseguiu
perceber, pela voz arrastada e rouca, que estaria prestes a viver mais um
inferno.
- Onde estavas,
minha cadela. Não me ouviste a entrar? – perguntou enquanto caminhava apressadamente
até ela.
- Desculpa,
Pedro. Estava a ler. Já estava a ir ter contigo. – respondeu assustada, mas com
uma voz doce na tentativa de o acalmar.
- Já te tinha
avisado. Quando eu te chamo, tu vens na hora. Quando o dono chama, a cadela
responde.
- Pedro...
Estava a ir ter contigo. Desculpa, se não fui rápida o suficiente...
- Desculpa não
cura ferida. E pára de ladrar que não te posso mais ouvir.
Maria calou-se e
ficou inerte, apoiada à cadeira. Tentou, suavemente, encostar-se à parede para
lhe servir de apoio. Fincou os pés no chão e preparou-se para o embate.
Pedro, avançou
até ela e deferiu-lhe uma valente chapada. Não estando satisfeito, puxou-lhe
pelos cabelos e arrastou-a até ao meio da sala. Cuspiu-lhe em cima e
pontapeou-a até a sentir imóvel e inconsciente. Afastou-se a assobiar e foi
preparar uma bebida.
Maria, acordou
como se um camião lhe tivesse passado por cima. Assustou-se com o tempo que
tinha ficado inconsciente. Temia que tivesse passado tempo demais e que Pedro
ficasse ainda mais enervado. Arrastou-se até à casa de banho e tomou um duche
rápido, com água gelada para acalmar as dores. Maquilhou-se e colocou o vestido
vermelho que Pedro tanto gostava. Reparou como estava a tornar-se mestre na
maquilhagem, as nódoas mal se viam.
Entrou na
cozinha e o cenário era o habitual. Pedro, havia colocado a mesa e preparado o
jantar. Velas e música ambiente.
Sorriu,
forçadamente:
- Boa noite,
Pedro.
- Finalmente. –
correu a afastar a cadeira para que ela se sentasse – Estava a ver que nunca
mais vinhas jantar. Estás linda. – beijou-a ao de leve na testa.
Maria, olhou
para ele incrédula, mas já sabia que o melhor era participar naquela charada.
Um pequeno deslize seria suficiente para o enfurecer.
- Sabes, Maria,
estive a pensar que deviamos ir passar umas férias a algum lado.
- Férias? Como
assim?
- No meu
trabalho, os meus colegas comentam sempre que levam as esposas de férias para
celebrar datas importantes.
- Ah, sim?
- E como vamos
fazer 4 anos juntos, eu acho que está na hora de celebrarmos a nossa felicidade
como deve de ser. Não achas?
- Umas férias virão
a calhar, mas não para celebrar a nossa felicidade. Nós somos tão felizes. Não
me falta nada. – respondeu, para não cair na armadilha.
- Sim. Somos
felizes. Não nos falta nada, pois não?
- Não, Pedro. Tu
dás-me tudo o que eu preciso. Tudo o que eu mereço.
- Sim... Dou-te
o que tu mereces. Nunca te faltei em nada. Sim... mas vamos de férias. Não
quero que me chamem de forreta no trabalho.
- Sim, meu amor.
Como achares melhor. – respondeu com um aperto no peito e um sorriso nos
lábios.
- Ah, Maria. Tu
sabes sempre o que dizer. Vou levar-te de férias para Nova York. Sempre quis lá
ir. E ainda por cima, é caro. Assim, ninguém me chama de forreta ou mau marido.
- Mau marido,
tu? Nunca, meu amor. – Inclinou-se para receber um beijo na testa e evitou com
todas as forças o gemido de dor com o movimento. Fechou os olhos e aguardou o beijo
na testa.
- Cheiras tão
bem. Anda, quero fazer amor contigo.
Maria, deu-lhe a
mão e seguiu-o. Chorou por dentro, sim... tinha o melhor marido do mundo.

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