Capítulo 5 - Diogo
Capítulo 5 – Diogo
Colocou a arma
sobre a mesa da sala. Abriu o canhão e inseriu, uma a uma, as balas. O copo de
whisky, suado, já tinha deixado uma poça de água à volta da base. Sentado, nu,
fixou o olhar na arma durante uma eternidade.
Era um monstro.
Não merecia viver. Homem que é homem não se excita a olhar para crianças. Homem
que é homem não se aproveita de crianças inocentes. Homem que é homem...
Já há muito que
não se considerava homem. Sempre sentiu que havia algo diferente nele. Na adolescência,
enquanto os amigos olhavam para miúdas da idade deles, ou mais velhas, Diogo só
tinha olhos para as miúdas da primária. Achava-as angelicais. Não carregavam
maldade. Eram inocentes e não tinham os vícios nem se vestiam intencionalmente
para provocar e depois juravam a sete pés que não o fizeram propositadamente.
Pensou que era uma fase, que iria passar. Quis acreditar que era resultado da
falta de atenção que recebia por parte do sexo oposto.
Sempre foi bom
com as crianças. Sempre as atraiu. Nas festas, enquanto os primos e os amigos
faziam de tudo para chamar a atenção da raparigada, ele contentava-se em fazer
de lobo mau e correr atrás da criançada. Sempre foi o primo favorito das primas
mais novas, sempre foi o eleito, por parte dos pais das crianças, para olhar
por elas.
O primeiro
episódio aconteceu aos 14 anos. Estava a tomar conta das primas e elas pediram
para jogar ao burro. Ele era o burro e elas tinham que subir para as costas
dele e aguentarem-se, sem cair, enquanto ele corria pela sala a fora. O roçar
das primas nas suas costas, a força que elas faziam para continuarem agarradas a ele, excitou-o.
Terminou a
brincadeira abruptamente e correu para a casa de banho, na esperança que não se
tivesse notado que sujou as calças. Não conseguiu conter a ejaculação e não
conseguiu entender o motivo do seu coração bater descompassado quando as miúdas
lhe subiam para as costas. Não contou a brincadeira a ninguém e desde esse dia
afastou-se das miúdas e evitava as festas em família.
Fosse lá o que
aquilo fosse, Diogo, sabia que estava errado. Não era normal e não podia
alimentar esse sentimento nem deixar que alguém notasse. A solução era
refugiar-se em si próprio e afastar-se de qualquer criança que lhe pudesse
despoletar o desejo.
Os tempos livres
eram ocupados a jogar futebol. Passava horas a treinar e nunca tinha tempo para
mais nada. Percebeu que era mais fácil não pensar se tivesse outras coisas na
mente. Facilmente tornou-se um dos melhores jogadores da região e não tardou
para receber um convite para jogar na primeira liga. As mulheres não o deixavam
em paz mas ele continuava sem interesse nelas. Até conhecer a Eva.
A Eva era doce e
vivia no mundo da lua. Acreditava em príncipes encantados e donzelas em perigo.
Conheceu-a através de um amigo e desde o primeiro encontro, passavam horas a
conversar. Era uma criança presa num corpo de mulher. Gostava de histórias de
encantar e filmes infantis. Era a mulher perfeita para ele. Além do mais, Eva
não o pressionava a nível sexual. Raramente procurava por sexo. Gostava de
andar de mãos dadas e encostar a cabeça no seu ombro a olhar as estrelas. Com
ela era fácil esconder as suas tendências, até de si mesmo. E o facto de nunca
ter tido namorada começava a levantar suspeitas sobre a sua sexualidade.
Decidiu namorar
com a Eva. Embora não a amasse, estar com ela era bastante agradável. À medida
que a relação foi se solidificando, Diogo, percebeu que algo a inquietava. Começava
uma conversa e mudava de assunto a meio. Reparou que sempre que a deixava em
casa ela nunca o convidava para entrar. Quando, finalmente, Eva abriu-lhe o
coração e contou que tinha uma filha, Diogo, ficou sem saber o que fazer.
Eva, engravidou
muito nova e o pai da criança nem sequer reconheceu a paternidade. Vivia com a
mãe que a ajudava a tomar conta da menina, da Deborah. Diogo, pensou em
terminar a relação. A última coisa que queria era estar ao pé de crianças. Os
medos da adolescência regressaram e tinha medo que o desejo renascesse.
A primeira vez
que viu a menina, não sentiu qualquer tipo de emoção. Diogo, sentiu-se aliviado
e julgou que a sua “doença” tinha passado. Após vários meses de namoro, o curso
normal a seguir foi o casamento. Casou-se com a Eva e ofereceu-lhe um casamento
digno de uma donzela salva por um princípe encantado.
O problema
surgiu, no primeiro dia de aulas da Deborah. Chegou a casa e a menina estava
com o uniforme da escola, e rodopiava em frente à mãe. As tranças saltavam e
ela era a cara da inocência... Um anjo, pensou...
Pegou na arma e
encostou à têmpora. Monstro, és um monstro, pensou. Colocou o dedo no
gatilho... Premiu de leve... Pousou a arma... Colocou novamente contra a
têmpora... Cerrou os olhos e premiu o gatilho... Deixou cair a arma e bebeu de
rajada o resto do whisky. Não era homem nem para acabar com a própria vida.

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