Capítulo 20- Culpada


- Deborah, miúda. Onde andas? – Sheila, perguntou aliviada por ouvir a voz da amiga ao telefone.
- Eu... Nem sei por onde começar, amiga. Não estou pronta. Só queria ouvir uma voz amiga.
- Deborah, tu tens falado com o teu padrasto? Ou... Com a tua mãe?
- Não. Tenho tido o telemóvel desligado, amiga. Não me apetece falar com ninguém.
- É por causa do que aconteceu com a tua mãe?
- Aconteceu com a minha mãe? Como assim?... Sheila... O que se passa?
- Opah... Não sei bem, Debi. Eu só vi as ambulâncias a levarem-na, e depois o teu padrasto na televisão a dizer que o quadro clínico era reservado...
- O quê? A minha mãezinha no hospital?
- Sim... Não sei de mais nada. Aconteceu na sexta-feira.
- Isso foi no dia que eu saí de casa, Sheila. Será que ela... Será que ela pensou que eu... Ai a minha mãezinha. Fui tão egoísta. Não atendi o telefone. Ela fartou-se de ligar. Deve ter feito aqueles filmes que ela faz quando vê as novelas... Deve ter pensado que eu...
- Para! Estás a desbobinar que nem uma louca. Não sabes o que se passou, amiga. Não sei onde estás mas tens de vir ver a tua mãe.
- Sim, claro... Opah! Não posso... Estou à espera da minha avó!
- A tua avó? Ela não está no hospital?
- Não, essa avó não. A mãe do meu pai.
- O quê? Estás com o teu pai? Mas o que se passa aqui?
- Não estou com o meu pai... Estou com a minha tia. Ela foi para o hospital ter o bebé. Eu estou aqui com o meu primo e as minhas primas, à espera da minha avó.
- Elah... Se eu não estivesse a falar contigo ia jurar que estava a alucinar! Na tua tia? Irmã do teu pai? Primos? Avó? Mas que raio? O que se passa?
- Sheila... Nem eu sei o que me deu. Foi o primeiro sítio em que pensei quando decidi fugir de casa...
- Fugir de casa? Debi? O que não me tens estado a contar? Debi? – Parou quando ouviu a amiga a soluçar do outro lado da linha. – Estás bem? Queres que eu te vá buscar?
- Buscar, como? Estou no Alentejo. E que eu saiba não sabes e nem tens idade para conduzir.
- Eu peço ao meu pai. Não te preocupes. Envia-me a morada. Olha não sei o que se passou, mas tens de vir ver a tua mãe. E se não quiseres ir para casa, podes ficar aqui comigo. Está bem?
- Mas tenho de aguardar a minha avó chegar.
- Não faz mal. Nós vamos ter contigo e esperamos por ela.
- Não sei se devo. A casa é da minha tia...
- Esperamos no carro, que se lixe. Não saímos daí sem ti.
- Sheila...
- Sim?
- Obrigada, amiga.
- Ora essa, amizade não se agradece!
Deborah, desligou o telemóvel e sentou-se no chão. As gémeas continuavam entretidas com o irmão mais velho e nenhum deles tinha reparado que ela estivera a chorar.
Queria voltar a ser criança. Estava cansada da dor e do peso que carregava. Será que a mãe tinha cometido alguma loucura quando reparou que ela se tinha ido embora? Era muita coincidência... Não podia ser. Não queria ser a causadora de mais uma desgraça. A culpa era dela. A culpa era dela por ter sido inocente e ter-se deixado levar na conversa do pai. A culpa era dela por não ter perguntado à mãe como se demonstrava o amor de um pai por uma filha. A culpa era dela por não ter contado à mãe quando teve a certeza que não era certo, que tudo não se passava de uma atrocidade.

O Diogo... O único pai que teve... Um padrasto que lhe deu tudo... Ensinou-lhe a andar de bicicleta, a andar de cavalo... Deu-lhe tudo... Deu-lhe demais! Os presentes eram para compensar a monstruosidade. Tirou-lhe a inocência... Roubou-lhe a infância. A culpa era dela... A única culpada foi ela por não se ter questionado... E agora... Agora a mãe estava no hospital, em estado crítico! E a culpa... A culpa era dela e só dela! Tinha a certeza disso!


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