Capítulo 14 - Escolhas


Daniel, sentou-se numa cadeira e ouviu, atentamente, Maria. Enquanto ela cozinhava, contava entre soluços a sua história.
- No meio disto tudo, Daniel, o Pedro é uma grande ajuda.
- Não digas uma coisa dessas, não é normal!
- É sim. Eu sei que não entendes mas é. Só eu sei o que eu passei antes de conhecer o Pedro. Desde que cheguei a este país as coisas não têm sido fáceis. O meu visto está caducado. Vi-me obrigada a trabalhar clandestinamente. Muitos patrões aproveitaram-se da situação e nem me pagavam ao final do mês porque sabiam que eu não podia reclamar.
- Mas o que o Pedro te faz é animalesco.
- Animalesco? Dá-me comida, roupa, teto. Envia dinheiro para Angola todos os meses! O meu irmão está muito melhor. Leva uma vida normal, é seguido numa clínica privada. Não está fora de perigo mas está melhor. O que tem de animalesco nisto?
- O que tem? O que tem? Ele espanca-te, Maria. Quase te tira a vida com porrada. Tu achas isto normal?
- Tu não tens noção, Daniel. Antes do Pedro eu apanhava porrada de alguns clientes. Muitos usavam-me e nem me pagavam. Fui forçada a fazer coisas que nem o diabo quer ouvir. Em troca de alguns tostões. Faltou-me comida na mesa. O que eu tenho com o Pedro é seguro. Ao menos sei o que vai acontecer e nunca me faltou com a palavra...
- Tu só podes estar doida, Maria. Não acredito que possas dizer isto!
- É a minha realidade, Daniel. E embora me custe estou confortável com isto. Já me habituei. É o meu trabalho. Apanho porrada e recebo no final do mês. Estou melhor que muitas mulheres!
- Só podes estar doida. Não acredito no que me estás a dizer! Maria! Isto não é normal!
- Não, não é normal! Eu sei! Pensas que eu não sei? Mas é melhor que a incerteza que eu vivia lá fora. Se o Pedro é louco o suficiente para querer brincar de fantasia e pagar-me por isso, agradeço a Deus!
- Maria... Tu não estás a ouvir o que estás a dizer. Não estás... Não acredito no que estás a dizer! Pega nas tuas coisas, vem comigo.
- Vou contigo? Para onde? Para o prédio ao lado? Fazer o quê? Vais dar-me dinheiro? Vais dar-me o que eu preciso para ajudar os meus pais e o meu irmão?
- Eles que se ajudem a eles próprios! O teu irmão não é tua obrigação, Maria. Tu podes morrer. Entendes? Podes morrer!
- Tu lá sabes o que é família e obrigação? Pelo que me dizes és um pobre coitado que não tem vida própria e o único gozo que tem na vida é vigiar a vida dos outros! Quem és tu para me julgares? És um doente!
Daniel, levantou a mão e parou a meio. Maria, arregalou os olhos e começou a chorar.
- Não és diferente do Pedro, Daniel. Não és. Ele nunca me obrigou a nada. Estou aqui porque quero. E tu, queres obrigar-me a fazer o que não quero. Se me quiseres bater, bate. Mas paga!
- Desculpa... Não sei o que me deu. Tens razão. Sou mais um doente e não posso julgar ninguém. Por algum motivo preocupo-me contigo. Quero o melhor para ti. Só te quero ver segura.
- Daniel, eu não te pedi para me salvares. Vai-te embora. Se o Pedro sabe disto eu perco tudo. Não tenhas pena de mim. Eu escolhi isto.
- Existem outras escolhas, Maria. Tu podes...
- Tu não sabes o que é viver no lado escuro da vida, Daniel. Isto para mim é certo. É conforto. Eu sei que não entendes, nunca vais entender.
- Então porque choras? Porque choras todos os dias?
- Porque sinto saudades dos meus pais. Porque tenho nojo de quem me tornei. Porque me dói o corpo. Porque me dói a alma. Por muita coisa, Daniel.
- Vem comigo... Eu prometo dar-te...
- O quê, Daniel? O que me podes dar que eu não tenho? Amor? Vamos fugir e ser felizes. A vida não é assim.
Daniel, levantou-se e resignou-se. Virou as costas e dirigiu-se para a porta. Parou quando ouviu alguém a colocar a chave na porta. Maria, levou ambas as mãos à boca para suster o grito e a respiração.




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