Capítulo 15 - Cada Vez Mais Fundo
Diogo, sentou-se
à beira da cama. Eva, parecia serena a dormir. Questionava-se se ela tinha
noção do que se estava a passar. Sempre ouviu histórias
que os pacientes em coma estão cientes do que se passa à sua volta. Será que
ela o perdoava? Nunca pensou que fosse capaz de agredi-la. Sim, era um monstro
nojento mas nunca pensou chegar a tal ponto.
Entrou em
pânico, sabia que se a polícia soubesse da gravidez da Deborah iria fazer
muitas perguntas. A Deborah de certeza que o indicaria como pai da criança e a
vida dele iria desmoronar. Sem pensar, empurrou Eva e num instante a situação
que parecia a pior do mundo tornou-se muito pior. E só tinha tendência em
piorar. Dali só via um destino: o fundo do poço.
Para além de
abusador, agressor, tinha acabado de arranjar problemas com a justiça. Mentiu
sobre o que se passou com a Eva, mentiu sobre o paradeiro da Deborah. As
mentiras começavam a amontoar-se e cada vez afundava-se mais. Parecia que
estava preso numa areia movediça e que quanto mais se tentava soltar mais se
afundava. O melhor seria parar. Simplesmente parar. Respirar fundo.
Os jornalistas
estavam amontoados à porta do hospital e provavelmente à porta de casa. Os
abutres deviam estar sedentos para que Eva sucumbisse ao coma e as notícias
ficassem ainda mais apetecíveis. Viviam das desgraças dos outros. Sempre foi
assim e sempre será.
Sentia-se um
trapo. Não passava de um monstro asqueroso que tinha acabado de destruir duas
vidas. Nunca se devia ter casado com a Eva. Nunca se devia ter aproveitado da
miúda. Criou-a como a uma filha. Como teve coragem de a usar dessa forma?
Aproveitar a sua inocência para satisfazer os desejos que o assombravam desde a
adolescência? Quem devia estar naquela cama de hospital era ele. O lugar dele
era morto ou preso. Não merecia outro lugar na vida. Contudo, a cobardia
acabava por ganhar. Não tinha coragem de acabar com a própria vida, não tinha
coragem de contar a verdade. Não tinha coragem para nada. Era uma besta, um
monstro...
Olhou para a Eva
e por momentos desejou que ela não acordasse nunca. Ao menos assim podia
poupa-la da verdade. Não conseguia imaginar o que seria dela quando descobrisse
que ele, o único homem em quem confiou na vida, abusou da sua própria filha. Da
filha que ambos criaram juntos. Era capaz de nem sobreviver a essa
verdade.
Pegou no
telefone e tentou ligar uma vez mais para Deborah. Tinha que arranjar forma de
a encontrar. Rezava para que estivesse bem. Provavelmente, estava apenas
assustada com o seu estado. Indefesa, sem saber o que fazer. Onde poderia
estar? Com quem poderia estar? Teria cometido a loucura de procurar uma clínica
para abortar? Será que teria acabado com a própria vida? Sempre foi mais
corajosa que ele...
Sentiu o
telemóvel da Eva a vibrar. Procurou pela mala e atendeu, após encontrar o
telemóvel perdido no meio da tralha que Eva sempre carregava na mala.
- Eva? – Uma voz
de mulher perguntou do outro lado da linha. Infelizmente não era a Deborah.
- Não. Daqui
fala o Diogo, marido da Eva.
- Olá Diogo. Sou
a Neuza, irmã do Nelson. Pai da Deborah...
- Neuza... Ah
Neuza, sim a tia... Olá Neuza.
- Não sei por
onde começar... Uhm... Está tudo bem? Vi-te nas notícias mas não fui a tempo de
ouvir o que dizias. Fiquei preocupada... Estavas no hospital...
- Não... Não
está nada bem... A Eva... A Eva está em coma. Encontrei-a caída em casa, a
sangrar. – mentiu.
- Em coma? Em
coma? Mas... E o estado dela? Como está? O que dizem os médicos?
- Calma,
Neuza... Ela está em observação. Os médicos dizem que apenas nas próximas 48
horas poderão dizer-me algo mais concreto.
- Sim, sei. Têm
de a vigiar. Será por isso que? – parou a meio.
- Será por isso
que o quê?
- Nada, Diogo. E
com a menina, está tudo bem? – Por algum motivo Neuza não quis contar-lhe sobre
a Deborah. Sentiu que não lhe devia dizer. Instinto.
- Sim. A Deborah
foi passar o fim-de-semana com umas amigas. Não lhe contei ainda sobre a mãe.
Não a quis assustar.
- Ah sim,
entendo. Mais cedo ou mais tarde ela vai saber. Devias ligar para ela e pedir
para vir para casa imediatamente. – Lançou o isco.
- Sim, sim..
Falei com ela. Está tudo bem. Vou deixar passar as 48 horas e depois vejo o que
dizer.
- Ok. Vai dando
notícias. Este é o meu número. Obrigada, Diogo.
Neuza, desligou
o telefone e olhou para a sobrinha que continuava a olhar para o infinito.
Alguma coisa não estava bem. Algo de muito sério se passava. Sentiu as pernas
molhadas, e olhou para baixo. Caramba, agora não.
- Esta criança
escolheu má altura para vir ao mundo. – pensou em voz alta, antes de gritar por
Deborah.
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