Capítulo 43- Fuga

Conseguiu chegar até à porta. Apoiou-se à maçaneta na tentativa de se levantar... Conseguiu abrir... Estava aberta! Afinal, não tinham mentido. Levaram-no para lá para lhe dar uma lição e deixaram-no viver... A luz da rua magoou-lhe o único olho bom. Estava num local estranho. Parecia um corredor com várias arrecadações, mas ao contrário do que estava habituado, estavam todas na rua. Parecia um labirinto, teve de voltar várias vezes para trás, encontrou vários becos sem saída e as portas pareciam todas iguais.
A custo, conseguiu chegar à rua. Saiu do labirinto e deparou-se com uma rua deserta. Á frente um enorme descampado... Não fazia ideia de onde estava. Procurou uma tabuleta com o nome da rua até que finalmente encontrou uma cabine telefónica. Estava frio... Estava completamente nu e a tarde estava fria. Cada vez que o vento lhe tocava na pele em ferida, Diogo, gemia de dor. Estava vivo... Chegou à cabine e não tinha dinheiro... Chamadas a pagar no destino eram coisas do passado. O único número para o qual poderia ligar era para a polícia. Tinha a certeza que essa não era a melhor opção...
Fechou a porta da cabine e ficou lá dentro. Pelo menos, conseguia proteger-se do vento. Adormeceu ou desfaleceu dentro da cabine, não sabe ao certo qual das duas. Tinha imensas dores e bastante dificuldade em respirar. Estava desidratado e desnutrido. Em breve, teria de tomar uma decisão. Ou ligava para a polícia ou deixava-se morrer. Optou por se deixar morrer. Não queria ir para a cadeia. Sabia bem o que faziam a homens como ele na cadeia. Nunca teve forças para terminar com a própria vida mas chegou ao ponto em que não tinha que fazer nada para que isso acontecesse. Literalmente nada. Bastava deixar-se estar e definhar. A natureza em breve terminaria o trabalho...
Quase a fechar os olhos, Diogo, ouviu o barulho de um carro. Os ocupantes, estacionaram em frente à rua que dava para as arrecadações e saíram do carro. Provavelmente iriam buscar qualquer coisa. Diogo, viu ali uma oportunidade. Assim que eles desapareceram de vista, arrastou-se até ao carro. Tentou abrir a porta do mesmo e reparou que estava aberto. Enfiou-se, aos guinchos, no lugar do condutor. Até as chaves tinham deixado na ignição. O lugar era deserto e nunca pensaram que sairia um morto-vivo de algum lado para rouba-los. O carro, felizmente, tinha GPS e Diogo reparou que estava algures em Évora... Colocou a única morada que achava segura e arrancou.
Alguns minutos depois, parou e revistou o carro. Cobriu-se com o casaco de um dos ocupantes e guardou as moedas e as notas que encontrou, no bolso. Esvaziou a garrafa de água que encontrou e quase se engasgou com a voracidade que a engoliu. Optou por estradas nacionais e conduziu até o cair da noite. Numa bomba de gasolina, dirigiu-se à casa de banho e lavou-se. Olhou-se ao espelho e assustou-se com a imagem que viu refletida. Ao menos, já não tinha sangue seco colado na cara... Chegou a Viseu, já quase ao amanhecer.
- Diogo! Entra... Entra... – Alexandre falou apressado. – Entra antes que alguém te veja. Estás num estado, mano. O que te aconteceu?
- Fui atacado...
- Foste à polícia? Foste ao médico?
- Como? Se a polícia está à minha procura...
- Pois... Anda, vem até ao meu consultório. Vou ver o que posso fazer.
Alexandre, conhecia Diogo há muitos anos. Tinha sido médico assistente de um dos primeiros clubes em que Diogo jogou mas depois optou por abrir um consultório na terriola de onde vinha. Sentia-se mais realizado a ajudar as pessoas na terra onde nasceu onde a população era envelhecida e não havia muitas crianças por perto. Não estava contente com o facto de Diogo lhe ter aparecido em casa, mas estava em dívida com ele. Diogo ajudou-o com a abertura do consultório. Emprestou-lhe o dinheiro que precisava e nunca pediu de volta. Na volta, sabia que mais cedo ou mais tarde viria a precisar.
- Mano... Eu vou ajudar-te mas não podes ficar aqui... Entendes?
- Eu entendo... Deixa-me só recuperar e decidir o que fazer.
- Entrega-te á polícia, mano. Esclarece as coisas...
- Não há nada a esclarecer...
- Estás a dizer-me que...
- Sim, Alexandre. É tudo verdade... Se vou à polícia metem-me na prisão e sabes bem o que aconteces a gajos como nós!
- Tu não me ouviste! Eu avisei-te para saíres de casa, se a tentação era muita. Eu disse-te para nunca tocares na miúda. Para não cometeres esse erro.
- Eu, consegui resistir durante muito tempo. Mas, depois tive uma oportunidade... E não fui apanhado. Depois surgiram outras e mais outras... Melhor, fiz com que acontecessem várias oportunidades.
- Tu perdeste o controlo. Dentro de casa nunca, Diogo. Temos de fugir da tentação. Tinhas feito como eu. Fugias. Fugias de quem és.
- Não consegui... Pensei que... Alexandre, tu entendes...
- Infelizmente, entendo Diogo. Agora tens o mundo todo atrás de ti, mano. Tens de arranjar forma de sair do país. Eu conheço malta que te pode ajudar com documentos falsos e isso...
- Não tenho como te agradecer...
- Estou em dívida para contigo. Estamos quites. Descansa, recupera e depois tens de ir. É arriscado para mim, ter-te aqui..
- Eu sei... Eu vou... Eu vou... Tens visto as notícias?
- Sim.
- A Deborah, sabes da Deborah? A Eva?
- A miúda é forte, Diogo. Está a aguentar-se. A Eva... Desligaram a máquina...
- Já não havia nada a fazer...
- Daqui a três dias é o funeral!
- Onde? Diz-me, onde?
- Numa igreja ao pé da vossa casa. Não estás a pensar ir, pois não? Vai estar apinhado de polícias.
- Eu vou com cuidado. Destruí a vida daquela mulher ao ponto de a matar. O mínimo que posso fazer é assistir ao funeral, nem que seja de longe.
- Tu é que sabes, mano. Se te apanhas, estás feito.
Diogo, assentiu e fechou os olhos.

- Agora vou dormir, Alexandre... Depois vejo como faço isso.

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