Capítulo 45 – Recomeço

- Maria, senta-te ao meu lado. Preciso contar-te algo.
Maria, olhou preocupada para Daniel. Conhecia o tom de voz que anunciava más notícias. Sentou-se virada para ele e aguardou. Provavelmente, tinha voltado à razão e não queria assumir o filho de uma prostituta. Uma prostituta, que em breve seria deportada para Angola. Não seria nada que ela não estivesse à espera.
- Maria... Quando o Diogo foi desmascarado fiquei desesperado. Estava a contar com o dinheiro dele para fugirmos daqui.
- Eu sei, Daniel. Mas, entretanto, ele desapareceu. Sei.
- Eu fiquei desesperado. Precisava de dinheiro. Tinha que te salvar, e... – Maria, interrompeu-o.
- Daniel, o que é que tu fizeste?
- Eu... Desviei dinheiro do meu patrão.
- Como assim? O que foste fazer?
- Sabes como é... Nunca tive muitos amigos. A minha companhia sempre foi o computador. Sei muito sobre computadores. Não foi difícil aceder à conta...
- Daniel, e agora? Se ele te descobre.
- Eu tirei de uma conta que eu sei que ele usa para desviar fundos da empresa. Roubei o que ele mesmo roubou. Se ele me acusa vai ser descoberto...
- Daniel, isso é crime. Podes ser descoberto. Não interessa se ele te denuncia ou não.
- Apenas se ele me denunciar, e não acredito que o faça.
- Daniel... Devolve. Devolve o dinheiro.
- Estás louca, Maria? Precisamos desse dinheiro.
- Vamos começar de fresco com dinheiro que não nos pertence? Roubado? Que tipo de vida estariamos a construir? Não sei se quero. Já basta a preocupação com o Pedro. Mesmo que o teu patrão não te denuncie, ele não vai deixar as coisas assim. Tem dinheiro, influência, pode atacar-te de várias formas. Eu sei como esse mundo se move, Daniel.
- Eu entendo o que me dizes, mas não vou devolver. Vamos para Angola, Maria. Ficas perto da tua família. Abrimos um negócio de informática. Eu sou bom naquilo que faço. Tu acabas a universidade. Vamos embora...
- Não sei, Daniel. Não quero recomeçar a vida com dinheiro roubado.
- Roubado de um homem que roubou. Vamos embora, Maria. Não temos aqui nada que nos prenda. O processo contra o Pedro, não sei quando termina. Está desaparecido. Pode durar anos. Estás viva, isso é que importa.
Maria, contemplou uma vida em Angola. A mãe não iria ficar muito mais tempo chateada com ela. Conversando com ela pessoalmente faria-a entender. E com um neto nos braços... Daniel, tinha razão. Angola, parecia a solução. Não tinha nada que a prendesse em Portugal. Tudo bem que o dinheiro era roubado, mas roubado de um ladrão. Maria, já tinha feito coisas piores para sobreviver. Concordou com Daniel, iam para Angola. Nunca tinha sido feliz em Portugal, estava na hora de recomeçar.
Para além disso, nos últimos dias tinha um pressentimento que algo estava para acontecer. Com Pedro à solta, era bem provável que ele fosse atrás dela e do Daniel. Lembrava-se bem do olhar de raiva da última vez que o viu. Pedro sempre prezou a família e neste momento, não tinha nada que o travasse. Era um homem que tinha perdido tudo e quem perde tudo é capaz de tudo.
Fizeram as malas e levaram tudo para o carro. Voltaram a subir para para apanhar as últimas coisas e fecharam a porta atrás deles. Maria, estava feliz. Em Angola, não teria o problema de falta de documentação. E com o dinheiro que Daniel tinha desviado podiam viver confortavelmente durante muito tempo. Saíram da porta do prédio de mãos dadas e aos beijos. Estavam prestes a ser livres.
Maria, observou a praceta em que tinha vivido durante quatro anos, sem nunca se permitir ir comprar pão à mercearia. O que conhecia, tinha conhecido através da janela. Os prédios brancos com varandas castanhas, em banda e com vários andares. A loja de móveis que ficava por baixo do prédio onde Pedro a deixou. A estrada e a praceta que separava o prédio onde morava e o do Daniel. A Póvoa de Santa Iria era uma zona calma e residencial, mas Maria nunca se sentiu em casa.
Ao arrancarem, Maria reparou num Opel Corsa, verde, que nunca tinha visto antes. Devia ser de um vizinho novo, pensou. As horas que passou à janela, Maria conhecia os carros todos que estacionavam naquela rua. A caminho do aeroporto, viu o mesmo carro. Daniel, parou para colocar gasolina. Iria entregar o carro alugado e tinha de estar com o depósito cheio. Maria, do canto do olho, reparou no Opel Corsa, parado no local de encher os pneus. Pura coincidência, pensou.
Após pagarem a gasolina, Maria e Daniel entraram no carro. Verificou, mais uma vez, a carteira para confirmar se o salvo conduto ainda lá estava assim como a passagem. Sentiu algo afiado e frio a cravar-lhe nas costas.
- Arranca e só paras quando eu disser, ou ela morre.

Maria, congelou ao ouvir a voz de Pedro. Não era uma ameaça, Pedro, simplesmente estava a dizer o que estava prestes a fazer.

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