Capítulo 25 - Neuza
Neuza, fechou os olhos e adormeceu. A adrenalina
do parto estava, gradualmente, a ser substituída por cansaço. Graças a Deus tudo
tinha corrido bem. Sentia-se abençoada. Tinha a família numerosa com que sempre
sonhara e o marido saído de um conto-de-fadas.
Conheceu Pedro, quando ainda estava na
faculdade. Tinha ido estudar com umas amigas para o espaço Ágora, e ele estava
sentado, sozinho, numa mesa a ler a bíblia. Obviamente que isso a intrigou, e
ás amigas, visto na geração delas não conhecerem muitas pessoas devotas. Pedro,
folheava a Bíblia e fazia anotações. Chegou a pensar que ele estava a estudar
para Padre, porque o bloco onde apontava era muito grosso e já estava mais que
a meio.
Não tinha gostado muito do espaço de estudo,
mas quis voltar na esperança de encontrar Pedro. E sempre que lá ia, encontrava-o
sentado na mesma janela, em volta da Bíblia. Um dia, decidiu ir sozinha. Quem
sabe assim, ela teria coragem de o abordar? Foi logo de manhã cedo e sentou-se
na mesa em que ele sempre se sentava. Após a hora do almoço, Pedro surgiu com sua mala e dirigiu-se para a mesa. Parou, a
meio, quando reparou que ela estava sentada no seu lugar predileto. Olhou em
volta à procura de outro lugar, mas alguma coisa o fez decidir a ir para a mesa
de sempre.
- Olá… Podia dizer que estás na minha mesa,
mas a mesa não é realmente minha. Posso sentar-me?
Neuza, fingiu surpresa e olhou-o diretamente
nos olhos.
- Claro… Claro que sim…
- Eu já te vi por aqui…
- É capaz, venho cá muitas vezes.
- Está bem… Uhm…
- Neuza.
- Neuza, prazer eu sou o Pedro.
- Olá, Pedro. – Corou com a intimidade.
- Olha eu vou sentar-me e vou tentar não
incomodar.
- Não incomodas nada, Pedro. – Observou-o a
retirar as coisas da mala, metodicamente, uma a uma. Colocou o caderno de apontamentos
exatamente no mesmo lugar de sempre, ajustou a posição da caneta e alinhou a Bíblia
com a borda da mesa.
- És muito arrumadinho, tu. – Não conseguiu
deixar de observar.
- Acredito que tudo tem o seu lugar, Neuza. E
um pouco de disciplina não faz mal a ninguém. Poderia deixar tudo desalinhado,
mas se assim o fizesse não estaria a demonstrar preguiça, falta de zelo e de
paciência?
Neuza, refletiu nas suas palavras.
- Não. Acho que não… Demonstrava que tens mais
com que te preocupar…
- Ou seja, dava a entender que há coisas menos
importantes que as outras é isso?
- Sim… Isso…
- Não vejo as coisas dessa maneira. Tudo tem
um propósito, e um lugar e todos nós temos um papel a desempenhar. E eu gosto
de viver de acordo com aquilo que acredito senão seria considerado hipócrita,
certo?
- Vendo as coisas dessa forma, tens toda a
razão.
- E tu, Neuza. Em que é que acreditas?
Acreditas, em Deus por exemplo
- Deus… Deus é…
- O criador de todas as coisas. – disseram os
dois ao mesmo tempo.
Pedro sorriu e Neuza reparou que libertou
alguma tensão que tinhas nos ombros.
Nesse dia nenhum deles estudou. Pedro acreditava
em rotina e disciplina, e naquele dia tinha quebrado a sua para falar com ela.
- Está tão tarde! – Neuza, reparou nas horas e
começou apressadamente a arrumar as coisas. – Lá se vai a tua crença em disciplina.
Os meus pais vão me matar.
- Acredito em disciplina, mas também acredito
que Deus escreve certo por linhas tortas… Se quiseres vou contigo até casa e
explico aos teus pais que a culpa é minha por te teres atrasado.
- Aí é que eles me matavam! Perdi as horas a
passar por estar a falar com um desconhecido.
- Eu não sou um desconhecido. Sou o Pedro.
- Tu estás mesmo a falar a sério…
- Não tenho por tendência brincar com coisas
sérias…
Pedro, insistiu em acompanha-la até casa, por
causa da hora tardia. Apresentou-se aos pais dela e desde esse dia tornaram-se
inseparáveis. Achou piada, quando ele formalmente pediu permissão aos pais para
namorar com ela. Durante o namoro, nunca tentou ir além dos beijos. Queria
preservar a pureza dela até ao casamento…
O som de uma mota, à distância, acordou-a do
transe. Neuza, levantou-se, lentamente, do sofá e foi até à porta. Ouviu a mota
aproximar-se, o barulho de algo a ser atirado contra a porta de entrada, e a mota
a afastar-se. Quando conseguiu chegar à porta, já a mota se tinha ido embora.
Agachou-se a custo para apanhar o envelope castanho caído no chão. Estava
endereçado a ela.
Abriu o envelope e não queria acreditar no que
os seus olhos viam. Uma foto do seu Pedro, do amor da sua vida, do seu homem, aos
beijos com uma mulher com um vestido vermelho. Procurou uma nota, uma carta, algo,
dentro do envelope e não encontrou nada. Virou a foto e leu em letras vermelhas
bem grandes: o seu marido não é o que parece.
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