Capítulo 30 - Resignada
Os exames médicos eram insuportáveis. Mais de
mil mãos a tocarem-lhe, apalparem-lhe, tirarem-lhe sangue… Deborah, não aguentava
tamanha tortura. Só queria sentar-se ao lado da cama da sua mãe. As enfermeiras,
quando terminaram, levaram-lhe de volta para o quarto.
A avó, em lágrimas, abraçou-a e pediu-lhe perdão.
Mil vezes perdão. Não fazia ideia do inferno pelo qual a neta passara. Diogo,
sempre foi um homem exemplar, um marido exemplar, um pai exemplar… Nunca poderia
ter imaginado as intenções por trás de cada vez que ia de férias.
- Como foi possível, minha querida? Passares
por isso sem ninguém notar?
- Não sei, avó…
- Porque é que não contaste à tua mãe?
- Porque… Pensei que era normal. O Diogo dizia
que… Avó… Não quero mais falar sobre isso.
- Mas tens de falar, Debi. Não podes carregar
isso no coração, minha querida. Não podes… Tens de te libertar. Deus…
- Qual Deus, avó? Qual Deus? O Deus que permitiu
que me acontecesse isto a mim? À minha mãe? Deus não existe avó…
- Não digas isso, minha querida. Tens de
acreditar. Ele escreve certo por linhas tortas?
- Certo por linhas tortas? Olhe para mim, avó!
Olha para a mãe! Onde é que está o certo? Estou cansada que me digam no que
devo acreditar! Cansada!
D. São, resignou-se a abraçar a neta e a calar-se.
Não sabia o que dizer. Não conseguia entender como Diogo poderia ter feito
tamanha calamidade. Afinal de contas, ele tinha sido como um pai para Deborah.
Como pode ter tido coragem de abusar dela. O que leva um homem adulto a tocar
numa criança. E sim, Deborah tinha razão, onde estava Deus? Como permitiu que
tal acontecesse à neta? Seria por falta de credo? Por falta de fé? Será que não
acreditavam o suficiente? Por não irem sempre à missa? Estaria desagradado de
alguma forma? Não conseguia entender como se pode sofrer tanto na mesma
família? A neta abusada dentro da própria casa, o único local onde deveria
sentir-se segura.
- Debi, ficas com a mãe? Eu preciso de ir à
capela.
- Fico, sim avó. Não te preocupes. Estou bem
aqui.
- Eu não demoro muito, Debi. Tenho de ir
rezar. Pedir misericórdia pela nossa família. Pedir perdão pelos nossos pecados…
- Nossos pecados? Qual foi o meu pecado, avó?
Acreditar no meu pai? Qual foi o meu pecado, avó?
- Minha filha. Não sei onde erramos, se é que
erramos. Só sei que temos de pedir misericórdia. Só Deus, nos pode ajudar.
Dona São afastou-se. Não tinha respostas para
a neta. Não tinha respostas para o que se estava a passar na sua família. Não tinha
como olhar para a neta e explicar-lhe que nem ela conseguia entender. O Diogo
enganou-a desde o primeiro momento que o viu. Pensou que era a solução para a
filha dela. Pensou que a tiraria da desgraça. Ter uma filha com uma criança nos
braços e sem pai não era algo de que São se orgulhasse. Quando Diogo surgiu,
São viu a solução para os seus problemas. Afinal, os verdadeiros problemas só
tinham começado.
Deborah, pegou no telemóvel e viu as mil e uma
chamadas da amiga. Respirou fundo, e retornou.
- Deborah! Que loucura é essa? Porque é que
nunca me contaste nada, amiga? Podias ter confiado em mim.
- Sheila, somos umas crianças. O que ias
fazer?
- Contar aos meus pais, sei lá. Que loucura! Olha
nem sei.
- Nem eu… Não entendo… Porque eu?
- Amiga… Não sei… Não tenho palavras.
- Porque será que isto tinha de acontecer
comigo, Sheila? O Diogo… E agora a minha mãe…
- Como é que ela está?
- Não sei. O Diogo disse que não havia esperanças
que só estava à minha espera para…
- Queres que eu vá para ai?
- Não, Sheila.
- Não me deixaste ir ter contigo, já estávamos
a caminho quando ligaste a dizer que o teu tio Pedro trazia-te para Lisboa. Eu
sou tua amiga, Deborah. Os meus pais podem ajudar. Estou aqui para ti, sempre.
- Eu sei, Sheila. Mas preciso ficar perto da
minha mãe, e não estou sozinha. Tenho a minha avó. E a minha tia…
- Se precisares… Sabes que eu estou aqui.
Deborah, desligou o telefone. Sabia que a
amiga tinha boas intenções, mas como poderia ela ajudar? Como poderia ela
entender o que se estava a passar? Ninguém sabia o que Deborah sentia naquele
momento, nem ela própria. Era uma criança que carregava uma criança no ventre,
quem podia entender tal coisa?
Finalmente, a médica que estava a seguir a
mãe, chamou a avó para conversar sobre o diagnóstico da mesma. Levou-a até ao
cubículo e deixou Deborah sozinha no quarto com a mãe. Afinal, era uma criança
e não podia estar presente. A avó voltou com os olhos ainda mais inchados e a agarrar
o terço com tanta força que quase cortava as mãos. Deborah, percebeu que não
havia nada a fazer. Quis chorar mas travou as lágrimas. Já tinha chorado muito.
Estava cansada de chorar. O mundo é dos fortes. Chorar demonstra fraqueza e infelizmente,
com as batalhas que tinha pela frente, Deborah, não se podia permitir a tal
luxo.
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