Capítulo 32 - Demónios
- Neuza, tu tens
de me ouvir. Dar-me uma chance para explicar.
- Não há nada a
explicar, Pedro. É o que é. A foto diz tudo o que eu preciso saber.
- Não é bem o
que tu pensas... Não é... Ouve, vou passar por aí.
- Não penses, Pedro.
Quero-te bem longe.
- E os miúdos?
Não posso ver os meus filhos?
- Não é como se
eles não estivessem habituados a longas ausências. Eles nem vão notar se
ficarem mais uns dias sem te ver.
- Mas eu quero
ver os meus filhos. Quero falar contigo.
- Deixa-me
respirar. Neste momento não te quero ver à minha frente!
- Eu entendo...
Falamos amanhã?
- Deixa-me
respirar...
Pedro, deitou-se
na cama minúscula do quarto de hotel e refletiu. Precisava de arranjar uma
forma de fazer Neuza compreender. Diria que foi uma tentação. Não tinha
significado nenhum. Neuza era crente em Deus. Iria perdoa-lo. Estavam juntos há
muitos anos, não seria uma pequena indiscrição que iria terminar com o
casamento. Ela tinha de entender. Os homens são postos à prova. Ele tinha que
expelir os seus demónios, não havia outra forma.
Neuza, deveria
entender. O que fazia com Maria permitia que ele fosse o homem que ele era para
ela. Sempre dócil, sem raiva e frustrações. Essas deixava-as todas com a
prostituta, ela é que merecia. Neuza tinha de entender. Ele precisava disto.
Era essencial para o sucesso do casamento de ambos. Não queria ser agressivo com
a mulher, de forma alguma. E as coisas que precisava de fazer na cama, não eram
dignas de uma esposa. Fazia o que fazia para não corromper a sua alma, a sua
pureza. Em parte, era uma forma de a defender dos pecados do mundo.
A mente estava
inquieta. A melhor forma de conseguir o perdão da esposa seria ajudando o mais
rápido possível com a situação da sobrinha. Mostrar um ato de compaixão e
bondade. Iria sugerir que Deborah fosse morar com eles, caso o pior
acontecesse. Sem a mãe, a sobrinha estava melhor com a tia do que com a avó
materna que já tinha alguma idade.
Neuza,
apaixonou-se pela sua faceta carinhosa e atenciosa. Sempre prestou atenção ao
pequeno corte de cabelo, à mudança de batom... Sempre prestou atenção ao que
lhe fazia falta e presenteava-a mesmo antes de ela pedir ou mencionar. Sempre
foi cuidadoso com ela e com os filhos. E tinham 4 filhos, agora. Não fazia
sentido terminar um casamento à conta de uma prostituta sem valor. Não quando
tinham tanto a perder.
Teria de ser
paciente e deixar a poeira assentar. Já conhecia a mulher há tempo suficiente
para saber que ela precisava de espaço para respirar. Além do mais, tinham acabado
de ter um bebé. Ela precisava de apoio e ele teria de lá estar. Sempre fez
questão de estar lá para os filhos e não iria abdicar do mesmo com o Miguel.
Não seria diferente desta vez.
Pegou nas chaves
do carro e saiu. Sentia-se sufocado no minúsculo quarto de hotel. Andou às
voltas pelas ruas de Lisboa e sem notar estava de volta aos locais que
frequentava antes de conhecer Maria. Maria era um problema que considerava
resolvido. O erro foi o tempo. Demorou tempo demais com a mesma situação. Tornou-se
descuidado, o hábito e a rotina fizeram-no sentir menos vulnerável e sem ter
dado conta deve ter cometido um erro que chamou a atenção.
Mas eram águas
passadas. Maria Madalena era apenas mais uma das prostitutas que passaram na
sua vida. Não passava de uma memória que o tempo iria apagar. Em breve, não se
lembraria mais do nome da pecadora, assim como já se tinha esquecido do nome de
tantas outras. Uma mancha, uma nódoa no passado que o próprio tempo faria
questão de apagar. Tinha sido bom enquanto durou. O poder que tinha sobre ela,
a submissão... O pior de tudo é que já tinha perdido o hábito de caçar. Tinha
de recomeçar tudo de novo... Conduzir durante horas até encontrar a próxima
forma de libertação.
Exausto, voltou
para o hotel e tomou um banho. Mentalmente tentava encontrar algo que lhe
tivesse escapado. Limpou o tabelier do carro. Check. Aspirou por dentro. Check.
Lavou o carro à pressão e puxou brilho. Check. Esvaziou o conteúdo da mala do
carro. Check. Destruiu o navegador e deitou fora. Check. Reviveu as últimas
horas minuto a minuto a ter ter a certeza que não tinha deixado nada para trás.
Tinha a certeza que não lhe tinha escapado nada.
Acordou
sentindo-se um homem novo. Ligou para a florista e enviou rosas para a mulher.
Os seus demónios, por um tempo, não voltariam a incomoda-lo.
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