Capítulo 31 - Novo Rumo

Maria, desligou o telemóvel, que o Daniel lhe ofereceu, e sentou-se à janela. A conversa com a mãe não podia ter sido pior. Daniel tinha razão, estava na hora de ela decidir a vida dela por ela própria. Pensou que a mãe iria entender... Os sacrifícios que fez por eles, pelo irmão... Decidiu ligar uma vez mais. A mãe deve ter dito o que disse de cabeça quente.
- Mãe...
- Maria Madalena, não voltes a ligar para mim. Eu e o teu irmão não precisamos do teu dinheiro sujo.
- Mãe, tenta compreender...
- Não posso compreender. A minha filha, prostituta? A vender o corpo por dinheiro?
- Era a única forma... Eu... Vocês precisavam...
- Eu sempre disse ao teu pai que esse dinheiro... Não és mais minha filha, Maria. Não nos voltes a incomodar. És uma vergonha... O teu pai deve estar a revirar-se na campa.
- Mãe...
- Não! Nós somos tementes a Deus, Maria. Tu estás perdida... O que irá a comunidade dizer quando souber que a nossa filha...
- Mãe...
- Não te preocupes connosco. Agora que o teu pai faleceu a família vai ajudar, e tu... Tu já não és família, Maria. Considera-te livre de qualquer obrigação. Adeus...
- Mãe...
Maria, olhou à volta e começou a gritar. Gritou por tudo o que não tinha gritado na sua vida. Gritou até lhe faltar a voz. Ao menos, Pedro, tinha preparado o apartamento para ser à prova de som e podia gritar até não poder mais.
Ligou várias vezes sem conta para o Daniel. Não sabia o que fazer, sentia-se perdida. Depois de tantos sacrifícios, depois de ter vendido a alma ao diabo para salvar o irmão, a mãe renegou-a. Preferia a comunidade à própria filha. Estava mais preocupada com o que os outros iriam pensar...
Veio para Portugal cheia de sonhos. Iria trabalhar, ajudar os pais e tirar um curso na Universidade. O amigo do pai prometeu ajudar assim que Maria chegasse a Lisboa, mas a ajuda nunca chegou. O trabalho que lhe haviam prometido simplesmente não existia e Maria com visto de turista não conseguia trabalhar. Bateu à porta de vários restaurantes, cafés, lares de terceira idade... Fez alguns trabalhos mas como sabiam da sua condição muitos não pagavam quando chegasse o final do mês.
Em alguns meses, os sonhos tinham ficado por terra e Maria não tinha onde dormir, nem o que comer. Teve de sair do quarto onde estava porque não tinha como pagar. Saiu da pensão sem destino e terminou na Estação do Oriente... Sentou-se numa zona isolada e agarrou-se à mala. Acabou por adormecer... Quando acordou alguém lhe tinha levado a mala... Deambulou pelas ruas de Lisboa, dormiu em alguns parques e continuou à procura de trabalho. Mas quem dá trabalho a uma pessoa suja, sem documentos, sem nada?
Lembra-se da primeira noite em que vendeu o corpo... Estava sentada no Parque Eduardo VII e um homem aproximou-se. Perguntou quanto levava... Maria, inicialmente, não entendeu a pergunta. O homem aproximou-se mais e disse que tinha com ele 100 euros, e queria saber o que comprava com isso... Maria fugiu a correr. Nunca tinha passado por isso... Não sabia o que fazer. Mas a fome, a necessidade, o desespero acabaram por ganhar a batalha e Maria cedeu. Voltou ao parque e esperou que alguém a abordasse... Foram para um local escuro no parque e Maria, pela primeira vez, vendeu o corpo.
Pegou no dinheiro e foi para uma pensão. Tomou um banho e comeu qualquer coisa. Apesar de sentir nojo de si mesma, já não tinha fome e tinha uma cama onde dormir. E com o passar do tempo tornou-se mais fácil. O impensável proporcionava comida e cama, e nesse momento era tudo o que precisava... Conheceu mais pessoas nesse meio, mulheres na mesma situação que lhe foram aconselhando. Maria, aprendeu a sobreviver. Havia clientes que só queriam sexo, outros mais violentos. Alguns, não pagavam... Era arriscado mas era a única coisa que podia fazer. Andou pelas ruas, até conhecer Pedro.
Apesar da monstruosidade do seu pedido, Maria sentiu-se o mais segura que se tinha sentido em algum tempo. Sim, Pedro era violento mas Maria não tinha que se preocupar onde dormir, o que comer, tinha dinheiro mais que suficiente para ajudar a família. O corpo habitua-se a ser maltratado. Tal como a prostituição as primeiras porradas custaram mais, depois passaram a fazer parte do seu dia-a-dia. O irmão estava melhor, numa clínica privada e portanto o seu sofrimento valia a pena. Pelo irmão, pela família, valia a pena. O preço tinha sido a sua alma, mas essa já não valia nada mesmo...
Maria, pegou na mala, e olhou para o apartamento. O seu tempo ali tinha terminado... Ainda tinha os primeiros dois mil euros que Pedro lhe tinha pago, iriam dar para uma cama e quem sabe uma passagem de regresso para Angola. De manhã iria à embaixada pedir ajuda. Sabia que não tinha casa para onde voltar, mas iria voltar para o seu país. Se fosse para sofrer preferia sofrer no seu solo...

O telemóvel que Daniel lhe tinha dado, deixou-o em cima da mesa. Não queria levar consigo nada que lhe lembrasse dessa vida. Nada nem ninguém...

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