Capítulo 38 - Dona São

A médica, aguardava a resposta.
- Dona São, as opções são estas. Têm que decidir o que fazer.
- Doutora Paula, está a falar-me de um pecado capital. Não permito que a minha neta faça isso. Deus nunca há-de perdoar a sua alma.
- Ela é apenas uma miúda. Não tem condições de criar esta criança muito menos nas condições em que foi gerada. Para além disso, a Deborah não quer ter esta criança.
- A Deborah está revoltada comigo, com o mundo, e com Deus. A decisão não é dela...
- A decisão não me compete a mim, Dona São, e infelizmente não compete à Deborah por ser menor. Depende do guardião legal da menina...
- Sou eu! A minha neta cresceu sempre com o meu apoio...
- Dona São. Eu estou simplesmente a fazer o meu trabalho. A decisão da tutela da Deborah terá de ser decidida em tribunal.
- A neta é minha!
- Mas tem o pai. O pai está vivo. Entende? Legalmente ele tem direitos.
- Ele nunca quis saber da miúda, e agora vem dizer que é pai?
- O Sr Nelson já foi contactado pelo tribunal. A mim, como médica, compete-me explicar o estado clínico da filha. Ele nunca desistiu da paternidade da menina do ponto de vista legal, e tendo a mãe falecido, ele assume a responsabilidade a não ser que abdique da mesma.
- Não acredito! Depois de tanto tempo, calha a esse cobarde decidir o destino da minha neta!
Dona São, saiu do consultório com os nervos em franja. Sentia que se tratava de uma estratégia para tirarem-lhe a neta. Queriam culpa-la por não ter dado conta dos abusos. Primeiro, a tia apoderou-se dela como se sempre estivesse estado presente na vida da menina. Agora, vão arrancar um pai do confins do inferno para vir assumir uma paternidade que nunca quis? E ela? Perdia a filha e a neta de uma só vez? Nem pensar. Não sem dar luta.
A casa estava vazia e silenciosa. Nunca fez muitas amigas e passava a maior parte do tempo com a filha. Desde que Nelson abandonou Eva, São abdicou do que restava da sua vida para cuidar da filha. Jovem e ingénua, Eva, perdeu o rumo quando Nelson recusou-se a cuidar da menina. Antes da bebé nascer, chegou a negar a paternidade na desculpa que da mesma forma que tinha dormido com ele, Eva teria dormido com muitos outros.
Eva, com o coração despedaçado concordou com o teste de paternidade ainda mesmo antes da bebé nascer. Nelson, forçado a assumir a gravidez começou a tratar mal Eva e a aparecer cada vez menos. Quando a bebé nasceu e foi diagnosticado albinismo, Nelson desapareceu de vez. Prometeu a Eva que iria ajudar a bebé financeiramente mas não estava preparado para ser pai. E assim o fez. Durante os últimos 12 anos, Nelson, nunca falhou com um pagamento. Enviava sempre a mesada e um extra por altura do aniversário e do Natal.
A avó paterna tentou aproximar-se de ambas mas Dona São afastou-a. Não queria que a neta tivesse contacto com a família que não a queria. Nos natais surgiam presentes e cartões, mas nunca ninguém bateu à porta para ver a menina. Na sua opinião, enviavam presentes por descargo de consciência mas quanto mais longe estivessem da menina, melhor. Insensíveis! Agora, depois destes anos todos, no meio da desgraça, lembravam-se que ela existia.
Ninguém lhe iria roubar a neta e a criança que carregava no ventre. O mínimo que podia fazer pela filha era cuidar da família que ela deixou para trás. Se a Deborah não quisesse ficar com o bebé, não havia problema. Que o tivesse e dessem para adoção, agora abortar não! Teria de salvaguardar o que restava da alma da neta! Tinha de a salvar do purgatório.
O toque da campainha acordou-a do transe. Tinha de ter cuidado não fosse um jornalista com perguntas e mais perguntas. Não, não sabia do Diogo. E sim, ficava muito feliz se nunca mais o visse. Rezava para que estivesse morto num canto qualquer, Deus lhe perdoe, mas era isso que ele merecia.
Abriu a porta e quase desmaiou. Reconheceu-o à primeira. Os olhos iguais aos da neta e o mesmo ar jovial de há doze anos atrás.
- Boa tarde, Dona São, posso entrar? Precisamos falar.
- Tenho outro remédio, Nelson?
- Pode sempre recusar, mas precisamos de falar sobre a Deborah. Assim, evitamos confusão e idas ao tribunal.

Dona São, afastou-se da porta e dirigiu-se para o sofá. Nelson, seguia-a em silêncio. Tinham muito para falar, só não sabia por onde começar.

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