Capítulo 39 - O Fim da Mentira
As gémeas
brincavam junto ao celeiro e Afonso tentava desesperadamente colocar o papagaio
de papel a voar. Neuza, estendeu uma toalha debaixo do sobreiro, deitou-se de
barriga para baixo e colocou o ovo do bebé ao lado. Sentia-se exausta com tudo
o que tinha acontecido, mas a vida continua. Não valia a pena chorar sobre
leite derramado. Observou a sobrinha, ao fundo, imersa nos seus pensamentos.
Tinha pena de
Deborah. As coisas não estavam fáceis para ela. Mentira. As coisas nunca tinham
sido fáceis para ela. Admirou a força da sobrinha que tão nova já tinha passado
por tanto e ainda tinha mais provações a caminho. Deborah, não quis aceitar
quando lhe confidenciou que o pai, Nelson, tinha chegado da Austrália e queria
vê-la.
- Recuso-me. Não
o quero ver. Nunca!
- Meu amor, ele
é teu pai.
- Não! O meu pai
é... – Deborah, parou a tempo de corrigir. – Eu não tenho pai, tia. Ele nunca
me quis ver e agora quem não o quer ver sou eu.
- Eu entendo,
mas peço-te que o ouças. Ele só quer falar contigo.
- Não! Não, não
e não!
- Meu amor, não
fiques assim. Ele é teu pai e legalmente, neste momento, ele tem todo o poder
sobre ti. – Deborah, arregalou os olhos assustada.
- Como assim?
- Com o que se
passou com a tua mãe. – Neuza, parou para respirar e evitar as lágrimas. - com
o que se passou com a tua mãe, o teu pai neste momento é o teu guardião legal.
- E a minha avó?
Eu não conheço esse homem... Não é meu pai!
- O teu pai e a
tua mãe nunca foram a tribunal decidir a custódia. A tua mãe, não está entre
nós... Só se ele quiser abdicar dos direitos e passar a tutela à tua avó.
- E tu, tia? Não
posso morar contigo? Aqui?
- Eu ficaria
muito feliz, meu amor. Mas não depende de mim. Tem de ser uma conversa entre
adultos, o teu pai, a tua avó e eu...
- Eu não posso
decidir com quem quero ficar?
- É evidente que
vamos tomar em consideração a tua opinião, mas vai depender do teu pai.
- Engraçado. Sou
criança para decidir com quem quero ficar, mas não sou criança para gerar uma
criança...
- Meu amor,
nunca devias estar a passar por isto. Nunca! Se eu pudesse retirar tudo o que
te aconteceu... Nenhuma criança merece tamanho castigo...
Deborah, alegou
cansaço e foi sentar-se no alpendre. Neuza, não conseguia imaginar a situação
pela qual a sobrinha estava a passar. O que o padrasto lhe fez tinha sido uma
monstruosidade. Perguntava-se, como mãe, como é que a Eva nunca reparou? Nunca
deu conta? Não conseguia entender como é possível não se ter apercebido de
nada? Agora, não havia a quem perguntar... Pobre Deborah... Até sem a mãe, a
menina tinha ficado.
O telemóvel
tocou e assim que Neuza viu o nome do Pedro no visor, fez uma cara de enjoo.
Não tinha vontade nenhuma de falar com ele mas o que tinha que ser tinha muita
força.
- Diz, Pedro.
- Princesa...
Pensaste na nossa conversa?
- Sim, Pedro.
Pensei.
- E?
- E o quê?
- Mudaste de
ideias?
- Não, Pedro.
Não mudei. A minha advogada ficou de te contactar...
- Tens a certeza
que queres ir por aí? Tornar isso definitivo?
- É o melhor,
Pedro. Nunca mais vou conseguir olhar para a tua cara do mesmo jeito.
- Perdoa-me,
Neuza. Por favor.
- Eu já te
perdoei, Pedro. Mas isso não significa que queira ficar contigo. Nunca mais
terei confiança em ti e a nossa relação era baseada, pensei eu, em respeito e
confiança. Tu falhaste com os dois.
- E quem me
garante, isso?
- Eu! Eu
garanto-te...
- Não me chega,
Pedro. Não quero. Não pressiones. Vamos ser adultos e terminar isto de uma vez.
- Princesa...
- Por favor,
chega. Aceita.
Neuza desligou o
telefone e teve a certeza que era isso que queria fazer. Iria dividir a
custódia dos filhos, Pedro tinha todo o direito de vê-los e estar com eles.
Ela, como mulher, tinha o direito de não querer partilhar a vida com um
mentiroso. Observou a família a brincar e pensou que mais cedo ou mais tarde
teria de lhes contar a verdade. Tinham partilhado muitos anos juntos mas chegou
à conclusão que não conhecia o homem com quem vivia. Uma vida a duas devia ser
feita de partilha e de entrega total. Viveu uma mentira. Pela primeira vez, Neuza,
permitiu-se chorar o fim do seu casamento.
Comentários
Enviar um comentário